quinta-feira, 28 de julho de 2011

POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS. ENSINO MÉDIO COMO EDUCAÇÃO BÁSICA.[1]

          No Brasil dos últimos quinze anos têm sido marcantes as reformas. Na tentativa de adequar as estruturas nacionais ao movimento de renovação global do final do século XX, com a hegemonia do capitalismo, os conflitos étnicos e territoriais e a dominação das nações centrais, o neoliberalismo, o Estado Mínimo e a dominação econômica dos países subdesenvolvidos.

            Foi nesse contexto que foram sucumbidas as propostas de reformas estruturais dos movimentos sociais e impostas projetos como a reforma agrária de mercado, as reformas educacionais do ensino superior e os projetos e reformas da educação básica, sobre a qual nos deteremos mais especificamente.

            Esses fatores têm sido possibilitados, sobretudo pelo processo de globalização, conduzido pelas nações empresas centrais. Pregando um modelo de desenvolvimento calcado na unicidade da técnica exige das instituições educacionais um modelo de educação que ratifique esse processo como legal e legítimo. O espaço, fruto desse modelo de produção, mostra-se como promotor de um fabuloso estado de liberdade, mobilidade, etc., todavia apresenta-se na realidade dominado por um conjunto de instituições, as quais decidem sobre a instabilidade financeira de famílias de operários, sobre a necessidade de novas guerras para fomentar a produção bélica, e sobre ajustes ficais para quebrar a organização e fazer outros milhões de miseráveis.

Essa análise aliada a fatores globais nos mostra que as recentes políticas educacionais são integrantes de um conjunto de práticas que agem em redes de dominação e expansão desse modelo de produção. Sendo difícil pensar uma política executada de forma isolada. Souza Neto (2000) ressalta a relação entre as políticas;

As políticas sejam elas previdenciárias, ou hídricas são pensadas em conjunto para o planeta e relacionadas aos países e às menores comunidades locais, mediante a incorporação de detalhes culturais que conformam o conjunto desse imenso mapa de diferentes cores. (...) basta apenas listarmos o conjunto de políticas que foram pensadas no Consenso de Washintong, lermos os relatórios de conferências e seminários realizados por organismos internacionais de porte do Banco Mundial e fazermos algumas comparações com fenômenos que se verificam em alguns países de diferentes hemisférios. É inegável que distintamente as mesmas políticas são implantadas, resultado da adequação que são concernentes aos lugares. (SOUZA NETO, 200, p. 13)

Assim, não há uma política de Educação Nacional, nem tampouco Estadual, mas sim, uma política educacional do mundo desenvolvidas nos diversos âmbitos da sociedade e sua submissão ao modo de produção, as quais mesmo adaptadas aos contextos locais expressam o conjunto de políticas pensadas por órgãos financeiros nacionais internacionais, como BIRD, FMI e CEPAL, ou assemelham-se a proposta desenvolvida nos países de centro do capitalismo.

            Para SILVA,

A intervenção na educação com vistas a servir aos propósitos empresariais e industriais tem duas dimensões principais. De um lado, é central, a reestruturação buscada pelos ideólogos neoliberais, atrela a educação institucionalizada aos objetivos estreitos de preparação para o local de trabalho. No léxico liberal, trata-se de fazer com que as escolas preparem melhor seus alunos para a competitividade do mercado nacional e internacional. De outro, é importante também utilizar a educação como veículo de transmissão de idéias que proclamam as excelências do livre mercado e da livre iniciativa. Há um esforço na alteração do currículo [...] também como o objetivo de preparar os estudantes para aceitar os postulados do credo neoliberal. (SILVA, 2001)

5.1 Reforma Educacional Brasileira
            O processo de internacionalização de economia a globalização confere as nações centrais e as multinacionais, que comandam esse processo, um caráter de invasivas, intervindo nos países vítimas dessas investidas, trazendo conseqüências não apenas na perspectiva econômica, mas também, entre outras, nas relações culturais, políticas, territoriais, trabalhistas, nas políticas educacionais, as quais por observamos nesse momento.
            A internacionalização da economia brasileira desembocou em diversas conseqüências, as mais notórias, com as introduções das multinacionais, amplamente incentivadas pelo Estado, foram os intensos processos migratórios, que em décadas urbanizou o país. O novo país urbano e recheado de empresas internacionais tomou como meta formar mão-de-obra obra qualificada, construindo o discurso de educação para todos.
            Pontuschka (1999, p.13) analisa esse processo de universalização da educação em dois momentos, inicialmente com a Lei nº 5.693/1971, com a extinção do exame de admissão e a fusão do ginásio ao primário. Para a autora “isso foi um avanço, no entanto o que realmente aconteceu foi que as verbas destinadas à educação permaneceram as mesas, insuficientes para atender o público a ser escolarizado.”
            Mesmo após o a redemocratização do país, a esperança de democratizar a educação contextualizada a criação de um projeto de país não se concretizou, pois foi nesse período, no fim da década de 1980, que se consumaram acordos internacionais com o Banco Mundial e FMI, que culminaram numa reforma mais violenta na segunda metade da década de 1990.

Após trinta anos da Lei nº 5.692/71 e com a nova LDB/96, a escola de 1º e 2º grau muda de nome: escola de ensino fundamental e médio, o que implica mudanças estruturais que afetam e vão afetar mais ainda a educação no Brasil, sobretudo a escola publica, no momento em que o nosso e outros países da América Latina vêem-se cada vez mais atrelados às determinações de órgãos representativos dos chamados países centrais. (Pontuschka 1999)

            Na analise de Gonçalves (1999) essas propostas não se dão no vazio e não se fazem somente no terreno das idéias. Ao contrario, elas se desenvolvem no terreno concreto da história, onde lutas procuram responder, negando, a uma série de reivindicações que emanam de lutas concretas.
            Para o autor,
[vislumbramos] propostas de reforma da educação (...) a partir do Ministério da Educação é filha da mesma lógica da que se faz na Bolívia, na Venezuela, na Argentina ou no Japão. (...) [indicando] que estamos diante de uma proposta que se coloca em escala supranacional e, assim, a sua territorialidade se coloca numa escala planetária. (...) [essas propostas] estão sendo feitas de acordo com os mesmos pressupostos formulado pelos consultores técnicos em educação do Banco Mundial e pelos ideólogos das grandes corporações internacionais. (Gonçalves, 1999 p. 75)

            Esse conjunto de acordos culminou numa série de modificações na educação básica brasileira, desde a execução dos Parâmetros curriculares Nacionais – PCN’s[2], a ampliação da educação básica e expansão das instituições que oferecem nível médio, para atender essa lógica de expansão das multinacionais, a política do Livro Didático, recentemente ampliado também ao Ensino Médio, criação de novas escolas, expansão das escolas profissionalizantes, considerável crescimento do ensino superior privado, entre outros fatores.
            Esse conjunto de mudanças na educação básica mostra de forma clara a pretensão de implantar um novo perfil à educação brasileira. Promovendo uma expansão concentrada da educação, visto pelo currículo único, trabalhado nas diversas escolas, preparado pelo MEC.
            Para Spósito (1999) essas propostas apresentam uma clara contradição, um paradoxo, pois há uma política de descentralização, cuja condução se dá de forma muito concentrada. O que a autora chama de descentralização concentrada.

Em principio essa filosofia pode ser justificada, na medida em que a descentralização, quanto mais intensa ela for, exigiria diretrizes gerais básicas, de forma a garantir o mínimo de qualidade e de equivalência nacional que se pratica em todo o país ou, em outras palavras, uma política de centralização das decisões e parâmetros gerais que conduziram à descentralização. (Spósito, 199, p. 21)

            Esse caráter de controle, de expansão concentrada, é notório não apenas nas ações de ditar o currículo, os materiais didáticos, a forma de organização das instituições, os parâmetros gerais, a flexibilidade como norma explícita ou oculta, mas também, e, sobretudo nas fiscalizações corriqueiras que servem para averiguar a “normalidade” e prestar contas com números de matriculas notas e freqüências às instituições internacionais, como o Banco Mundial, através dos sistemas de avaliação, como Prova Brasil, ENEM, entre outros.

5.2 O Ceará nesse contexto
            Analisando os governos cearenses após meados da década de 1980 percebemos a emergência de um trabalho voltado para a modificação das estruturas produtivas do Estado, bem como dos discursos. Fazendo emergir uma lógica calcada na desconstrução da imagem do Estado como espaço das secas, da fome, dos rios secos, etc. Emergindo representações do espaço como lucrativo, terra do sol, próspero, elaborando uma renovação conservadora. Buscando implantação do modelo neoliberal de gestão em benefício de uma seleta minoria do Estado, de outras regiões ou de outros países. Ações que culminaram no mais avançado estágio de internacionalização da economia cearense.
            Esse paradigma calcado na aceitação incondicional da nova ordem de atuação do Estado trouxe diversas conseqüências para o Ceará. No espaço agrário a mecanização das relações de produção, além de obras hídricas gigantescas para atender a demanda dos novos produtores agrícolas, que transferiam o sistema de gestão empresarial aos estabelecimentos agrícolas, explorando os camponeses já expropriados. No litoral se reflete na expulsão de comunidades tradicionais de pescadores, em nome dos serviços do turismo.
Na educação esse as conseqüências focaram na garantia do cumprimento das decisões centrais relacionadas ao currículo e estrutura das instituições de ensino, e na reprodução dos modelos de avaliação/fiscalização, a exemplo do SPAECE – Sistema de Avaliação da Educação do Estado do Ceará, que consiste em uma prova de Português e Matemática, para avaliar os conhecimentos, baseados nos “paradigmas” de ensino nacionais e estaduais, aplicados a professores e alunos. O SIGE – Sistema de Gestão Escolar, que é um instrumento de contagem/controle das matriculas e notas dos educando que de acordo com esses dois indicativos gera uma nota para o professor e para a escola. Tornando a função principal da instituição de ensino, a elevação do número de matriculados[3], bem como de suas notas, crescendo a educação do Estado em números que servem para prestar conta as instituições internacionais que financiam muitos dos projetos.
Evidenciamos ainda a adoção desses novos paradigmas de gestão à educação no amplo incentivo a formação técnica, a exemplo do projeto e-jovem, Prêmio Aprender pra Valer e as Escolas técnicas em construção pelo Estado. Outra evidência da administração educacional baseada em princípios de mercado, analisando-se, muitas vezes predominantemente a relação custo X beneficio, é a carência de professores, denunciando uma gradual retirada do Estado nos investimentos em educação. Visto que, segundo o sindicato da categoria, 45% dos professores do Estado são regidos por contrato temporários, aos quais são pagos menores salários e reduzida os direitos trabalhistas, caracterizando relações de trabalhos flexíveis que coincidem com as grandes firmas instaladas no Estado[4].
É nesse contexto de exclusão e gradual processo de precarização, com teoria e prática aliadas a um processo global de exclusão e exploração de alguns territórios para sustentação desse processo de globalitarismo[5] perverso, que se inserem as nossas práticas educativas nutridas de um desejo de outro mundo possível.

Anderson Camargo.
Professor da Rede Estadual de Ensino do Ceará.



[1] Dedico essas reflexões há um afinco filósofo e amigo de quem tenho recebido muitas contribuições em suas reflexões socráticas. Professor Epitácio Rodrigues.
[2] Esse elemento, em específico o da Geografia, um conjunto de autores em um livro sob a organização de CARLOS & UMBELINO (1999), analisam de forma bem interessante.
[3] Independendo muitas vezes a freqüência e evasão dos mesmos, uma vez que a contagem de matriculados se dá em maio.
[4] Esses professores, em decorrência dos baixos salários e da instabilidade, que é marca dos trabalhos temporários, têm que buscar outros empregos para sobrevivem. Se sobrecarregando e não podendo se dedicar de forma devida à educação.
[5] SANTOS, 2001.